24 de Outubro
Estou lendo “A Idiota”, da Elif Batuman, traduzido pelo Odorico Leal, mas percebi que na capa, o nome dele está só Odorico Lea. Fiquei pensando se todas as impressões estão assim e como é triste que o nome dele esteja escrito faltando uma letra, nesse grande trabalho de tradução de quase 500 páginas que ele fez.
25 de Outubro
Tive que fazer uma ressonância esses dias e aplicaram contraste. Ao tirar, após o final do exame, o moço me falou para apertar o braço, enquanto poderia trocar de roupa. Obviamente, não consegui fazer as duas coisas ao mesmo tempo e tive que voltar no moço, com o braço ensanguentado, de camisola, para pedir ajuda.
26 de Outubro
Fui ao shopping, lugar que não me agrada e após resolver o que era preciso, fui comer em um restaurante lá mesmo. Alguém da mesa ao lado estava comemorando aniversário e na hora do parabéns, os garçons saíram gritando da cozinha, com uma sirene a toda altura e um extintor de incêndio. Levei um susto enorme. Fiquei me perguntando se todo mundo achou normal ou se só eu achei extremamente estranho.
28 de Outubro
Comprei um teclado com barulhinhos agradáveis, ou creamy, como dizem por aí. É a coisa mais linda do mundo e dá vontade de digitar sem parar.
31 de Outubro
Pedi supermercado online e recebi o maior abacate da história. Fiz um mundo de guacamole e guardei em uma marmita aqui em casa. Na hora de sair para o trabalho, quando estava chegando no ponto de ônibus, percebi que estava levando a guacamole para almoçar, ao invés da marmita certa.
03 de Novembro
Tenho dificuldade em viver em um mundo em que é preciso “tomar cuidado” com as pessoas e com o que você diz para elas. Eu sou do tipo que entra na primeira loja de colchão, o vendedor fala que aquele é o melhor colchão e que eu não vou encontrar nada melhor e mais barato e eu acredito. Não sei se estou disposta a perder minha inocência e fé nas pessoas.
05 de Novembro
O cachorro da minha vizinha fez cocô na porta da minha casa e eu tive que responder pela primeira vez em 13 anos que não tenho um animal de estimação. Quatro meses se passaram e sinto falta todos os dias. O cocô foi removido.
07 de Novembro
Me tornei quem eu mais temia: a pessoa que fica preocupada com o trabalho mesmo fora dele, com ansiedades, muita auto cobrança e comparação com os outros. O que é no mínimo irônico, considerando o que escrevi na última edição.
08 de Novembro
Tive duas crises de ansiedade no trabalho hoje. Pifei e senti que não sabia mais fazer tudo que eu sempre soube. Parece que todo mundo está dando conta, menos eu.
10 de Novembro
Penso em pegar um novo animal de estimação, mas essa ideia ainda vem como muitos pensamentos sofridos. Também queria mais tempo para poder cuidar dele, pelo menos no início, mas não tenho tido tempo direito nem pra mim.
14 de Novembro
Fui ao hospital pois estava desidratada, após passar mal desde sábado de uma possível intoxicação alimentar. Na sala de espera tinha um homem daqueles que espera você fazer contato visual para começar a falar sobre qualquer coisa. Não fiz contato visual e aguentei ele falando alto com várias pessoas por algumas horas. Isso me lembra o quanto as pessoas tem sido cada vez mais sem noção, ouvindo áudios e assistindo vídeos em sala de espera de médico, como se houvesse só ela ali.
18 de Novembro
Estou com quase 30 newsletters acumuladas, sem tempo e energia para ler. Todos os dias saio do trabalho tonta e com dor de cabeça.
19 de Novembro
Nova rotina: tomar remédio pra ansiedade antes de dormir, passar Salonpas no meu nódulo de tensão na nuca e me policiar de 30 em 30 segundos para relaxar tensões no rosto, senão fico com dor de cabeça.
20 de Novembro
Passei 9 dias passando mal do estômago/intestino. O que achei que era intoxicação alimentar, era na verdade emocional. Como é ruim ver a saúde mental e a física comprometidas por algo tão difícil de controlar.
21 de Novembro
Ando tão estressada que apelei com o meu teclado de barulhos agradáveis e o substituí pelo meu antigo. Acho que eu que não ando muito agradável.
22 de Novembro
Percebo que em momentos de mais angústia e quando vem a sensação de que estou perdida na vida, sempre tento mergulhar em arte, principalmente na literatura, lendo e consumindo conteúdo literário ferozmente, como se para escapar da realidade, ao mesmo tempo que recupero minha vontade de viver. E acho bonito que a arte tenha esse efeito em mim.
23 de Novembro
Acho triste como, nesse mundo capitalista, vivemos o final de semana dessa forma: uma noite de grande alívio, mas muito cansaço, um dia de total desprendimento das angústias e aberto ao descanso e um dia em que nos recolhemos com nossas angústias para encarar o retorno ao mundo real. De dois dias, um deles sofremos. Ou eu sofro, né. Mas pelo menos estamos tendo dias chuvosos e fresquinhos em pleno Novembro e isso torna as coisas um pouco mais agradáveis.
24 de Novembro
Tenho ouvido muito sobre a expressão “overestimulated person”, que é uma pessoa com uma sensibilidade sensorial maior que o normal, de forma que ela se incomoda com barulhos altos, luzes fortes, cheiros fortes e até mesmo ao receber muitas informações. Acho difícil não ter nem um pouco disso em um mundo com estímulos cada vez maiores. Penso nisso quando uso telas com brilho no mínimo e luz noturna e todo mundo que passa pela minha mesa no trabalho comenta. E quando me incomodo com pessoas sem noção em salas de espera. E quando volto exausta de um passeio ao shopping.
25 de Novembro
Tive um bom final de semana. Consegui me desligar mais do trabalho e descansar, além de fazer as coisas que gosto. Sigo mergulhada nos meus livros, séries, jogos e o que for possível para me ajudar com meu escapismo atual. Finalizei “A louca da casa”, da Rosa Montero e iniciei “Mestres Antigos”, do Thomas Bernhard, dois livros que tem tudo que eu gosto: literatura falando sobre literatura e literatura falando sobre arte.
Bom, como é possível notar, ando sem muita energia, mas com a cabeça fervilhando como sempre, então tenho anotado muitas coisas sobre mim, mas sem conseguir trazer conteúdos mais interessantes para cá. Resolvi então trazer o que tenho dado conta. Não é muito, mas é o que é possível nesse momento.
Até a próxima e se cuidem!
Acho bonito a possibilidade de se indentificar com alguém, que nunca se encontrou pessoalmente. Obrigada pela partilha, Bel! Me indentifico bastante com as suas reflexões e a sua forma de existir neste mundo.
Caramba, que coisa. Eu sou daqueles que acham que o nome do tradutor ou tradutora devia estar na capa, imagina estar só na folha de rosto e ainda sem uma letra, putz...