Esse assunto já é lugar comum, principalmente na internet, com os perfis que mostram a realidade da vida e suas dificuldades, sem a maquiagem que normalmente colocamos no Instagram. E talvez tudo já tenha sido dito sobre o assunto, mas não tenho conseguido me livrar desses pensamentos sobre tudo que “temos que ser” nessa vida.
Precisamos dormir bem (pelo menos 8h por noite), comer de forma saudável (o que normalmente significa preparar a própria comida), encontrar com os amigos, ter um relacionamento amoroso, cultivar hobbies, possuir um bom trabalho, estudar para nos aperfeiçoarmos na profissão, praticar atividades físicas, cuidar da nossa casa, fazer supermercado, lavar a louça, muitas vezes cuidar de animal(is) de estimação, entre diversas outras coisas. E em cada dia possuímos apenas 24h. Não vou nem entrar no mérito de filhos, porque não é o meu caso e eu nem consigo imaginar como as pessoas vivem quando, além de tudo que eu citei, ainda precisam criar um (ou mais de um) ser humano (forças à essas grandes guerreiras).
Em resumo, a conta não fecha. E nessa de tentar dar conta de tudo, entramos em uma onda de “otimização do tempo”, então lavamos louça assistindo a algum vídeo, ficamos no trânsito ouvindo audiolivro, andamos na esteira lendo, tomamos banho ouvindo podcast, entre outros. Enquanto isso, nem ouvimos mais nossos próprios pensamentos e nunca mais paramos para fazer uma coisa de cada vez e com calma. Ou simplesmente fazer coisa nenhuma. Tem dias que após tantas horas de tela, só quero deitar no escuro, olhar pro teto e pensar em como a vida não deveria ser assim.
Isso talvez fique mais fácil se a pessoa não tem hobbies, mas aí eu já acho que é uma vida muito triste em que se vive apenas como um robô, seguindo o protocolo estabelecido. Mas comigo não é assim, pois tenho vários hobbies e, se eu pudesse, só faria eles o dia inteiro. E como li essa semana na newsletter da Fabiane Guimarães, são “Horas e horas gastas em atividades que talvez fossem consideradas improdutivas, se não produzissem sanidade.” É exatamente isso, sanidade. Porém, meu hobbies não pagam as coisas que eu quero comprar para alimentar os próprios hobbies. Então voltamos à história sobre equilibrar todos os pratinhos que são colocados para nós, para que possamos ser a nossa “melhor versão”.
Isso que me atormenta diariamente. O meu trabalho hoje não é uma paixão, mas é o que paga as coisas que me deixam apaixonada pela vida. Mas ao mesmo tempo, é o que eu passo pelo menos 8h do meu dia fazendo (apesar de quase todo dia passar de 8h). E nessa cultura de trabalho que o Brasil sustenta, o excesso de trabalho e a exaustão são sempre glamourizados. Quem sai no horário normal de trabalho é mal visto e quem adoece de tanto trabalhar é o funcionário do mês. Mas aí entra o grande paradoxo: quem mais trabalha é quem acaba sendo promovido, recebendo mais dinheiro, mas com cada vez menos tempo para viver. Então esse esforço todo serve para quê, se não há recompensa?
E além disso tudo, após as mais de 8h de trabalho diárias, ainda dizem que é preciso estudar sobre os assuntos da sua profissão, se aperfeiçoar, fazer cursos, projetos pessoais, para assim se qualificar melhor, conseguir melhores empregos, ganhar mais dinheiro e assim por diante. Mas como? Se ainda precisamos fazer tudo aquilo que citei ali em cima e ainda estamos exaustos após o trabalho, fisicamente e mentalmente? Não é possível dar conta de tudo e não existe um equilíbrio real, de forma que pelo menos algum pratinho acaba sendo deixado de lado.
Acho que para várias pessoas, o valor que elas encontram nelas mesmas está naquilo que fazem profissionalmente. Por muito tempo pensei dessa forma, achando que no trabalho eu encontraria esse valor que procurei por um bom tempo (lembrando da edição em que falo sobre encontrar a a minha personalidade). Claro que quando você vê o esforço colocado em um trabalho e o resultado é valorizado, isso traz uma satisfação. Mas satisfação é diferente de valor. Na verdade, pra mim, toda essa história de valor, propósito, missão no mundo, etc., são uma grande cilada pra vender livros, cursos e gerar ainda mais ansiedade nessa vida.
Esses dias vi um post no Instagram falando sobre as coisas difíceis da vida (todas essas que citei acima que fazem parte da rotina da maioria das pessoas) e de como é preciso encarar tudo isso, porque a dor do fracasso é muito maior que o esforço de fazer essas coisas. Também nesse tópico, ao buscar na Amazon pelos livros mais vendidos, o primeiro é um sobre hábitos, que promete te ensinar a focar nos bons hábitos e se livrar dos ruins, outro sobre como ganhar dinheiro e outro sobre ansiedade. Curioso, não é? Que essas três coisas andem juntas. Então eu questiono: que fracasso é esse? Fracasso para quem? Quais maus hábitos são esses? Quem está determinando isso tudo?
Tem um vídeo de uma entrevista com o psicanalista Contardo Caligaris que recebi da minha irmã em 2021, em que no finalzinho, ele fala sobre essa busca incessante do ser humano por sentido. Como estamos dispostos a pagar por qualquer sentido que alguém nos venda e vivemos tentando encontrar sentido em tudo. E pelo menos pra mim, no fim, nada faz sentido. Todos vivemos esse grande absurdo que é a vida. Essa visão pode gerar certa resignação, por essa “perda de sentido”, mas para mim traz um sentimento de aceitação e serenidade dessa condição humana. A vida é apenas o que é. E ela é curta e passa como um sopro.
Então talvez seja sobre largar um poucos os pratinhos às vezes e fazer o que dá vontade. Não é sobre abandonar qualquer tipo de sentido, mas sobre atribuir às coisas apenas o sentido que você encontra nelas. Não por uma determinação ou um propósito maior além do que você encontrar. Eu já desisti de ser minha “melhor versão” há um bom tempo. Acho que essa ideia serve apenas para alimentar ansiedades e nos sentirmos sempre incapazes e exaustos. Claro que eu quero me aprofundar nas coisas que gosto, ser uma boa profissional e estudar aquilo que me interessa, mas porque eu quero, não porque me disseram que é isso que eu preciso fazer. E se um dia eu só quiser ficar deitada fazendo vários nada, pedir uma comida gostosa e tomar uma taça de vinho, quem liga? Quero ser apenas uma versão. A versão de hoje. Amanhã a gente vê o resto. Estamos vivos agora.
“De agora em diante eu gostaria de me defender assim: é porque eu quero. E que isso bastasse.”
Aprendendo a Viver - Clarice Lispector
Também me senti representada!
Excelente reflexão. Recomendo dois livros que de alguma forma tangenciam o que você escreveu. “Sobre a Brevidade da Vida”, de Sêneca, que, dentre tantas colocações, mostra que a vida nem é tão breve assim, nós que a desperdiçamos. E “O Mito de Sísifo”, do Camus, que fala sobre o absurdo da existência e que apenas enxergando ela assim conseguimos viver de maneira mais leve e com menos amarras morais e mentais, de uma forma geral.