Línguas - Domenico Starnone
Tradução: Maurício Santana Dias
Editora: Todavia
Essa história começa com um menino napolitano, aos oito anos, observando uma linda menina dançando na sacada de sua casa, e assim, ele vive sua primeira experiência de amor. Esse apaixonamento o coloca num lugar de obsessão por essa pequena bailarina, buscando vê-la em todas as oportunidades e até disposto a duelar com seu amigo Lello, para conquistar o seu amor.
“Como era linda sua figurinha contra as vidraças reluzentes de sol, de braços erguidos, audaciosa nos saltos, tão exposta à morte. Inclinei-me para que ela me visse bem, pronto a também me atirar no vazio, caso ela caísse.”
Além de observar suas danças, eles tem um breve contato na rua, em que ele escuta sua voz e a admira pela bela forma em que fala o italiano, diferente do que ouve em sua casa: um dialeto napolitano, marcado principalmente pela sua avó materna, que o trata como o neto preferido, embora ele próprio despreze aquele amor e o inferiorize. E assim também tem seu primeiro contato com uma outra forma de expressar o italiano, mais bela, assim como a menina.
Juntamente com a experiência de amor, ele vive também seu primeiro contato com a morte, quando sua grande paixão viaja de férias e não retorna mais. E relaciona com o que sua avó viveu, perdendo o marido após dois anos de casamento. Essas primeiras vivências marcam o menino por toda a sua vida e, ao longo dessa história, acompanhamos o passar dos anos em que a Milanesa está sempre presente em seus pensamentos, mesmo enquanto adulto.
“Respondi que não queria morrer, só queria ficar um pouco morto e depois me levantar.”
Talvez a menina tenha ficado tanto em sua mente pela eterna ideia do “e se?”, pois o amor infantil nunca pôde evoluir após o fim abrupto dessa história. Ou talvez esse primeiro contato com o amor, que é pulsão de vida, juntamente com o primeiro contato com a morte, que é o oposto de vida, tenha gerado cicatrizes profundas em uma mente tão jovem.
A história segue com esses três temas que se embaralham: amor, morte e a língua italiana. O menino decide estudar Letras na faculdade e assim se aprofunda nas origens e sons da sua própria língua, enquanto usa sua avó como ajudante nessa jornada, por utilizar um dialeto napolitano que, para o garoto, é sinônimo de simplicidade e falta de intelecto. E nessa busca pela origem da língua, também busca a origem da garota Milanesa, dois interesses que entraram em sua vida na mesma época e que ditaram suas escolhas futuras.
Domenico Starnone cria, mais uma vez, uma história envolvente, que parte de algo simples que se aprofunda a medida que encontra o olhar do leitor. E não posso deixar de destacar o trabalho do tradutor Maurício Santana Dias, que traduziu todos os livros do autor no Brasil e que deve ter encontrado um desafio ainda maior nesse, por trazer esse aspecto tão particular da língua italiana para o português. Starnone me fisgou desde o prefácio maravilhoso de “Laços”, escrito por Jhumpa Lahiri e é um daqueles autores que sempre proporciona uma boa leitura.
“Me falou do primeiro beijo que o marido lhe deu, um jovem de vinte anos e de grande beleza; ela estava com vinte e dois e nunca se deixara beijar por ninguém: um beijo tão intenso que ele ficou inteiro em sua boca, e hoje ela ainda tinha aquela boca na boca, e a voz dele era também a dela, falavam juntos toda vez que ela falava, as palavras que eu ouvia vinham do fundo do fundo dos anos, sopro dele e dela, voz dele e dela.”
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Um abraço e até a próxima resenha/reflexão!