Posto de Briga
Era uma quarta-feira à noite, e eu estava saindo do meu prédio para encontrar minha mãe, conforme combinamos. Cheguei à portaria e observei que o porteiro estava colado no vidro que separa quem está dentro do prédio de quem está fora. Após cumprimentá-lo, ele disse agitado: “Pessoal ali tá brigando no posto”, se referindo a uma gritaria que estava acontecendo no posto de gasolina em frente ao prédio. Imagino que esses acontecimentos sejam um ponto alto no trabalho de porteiro, comumente rotineiro e monótono. Para tentar me inteirar da fofoca, perguntei: “O que aconteceu?”, ao que ele respondeu: “Não sei”. Então fui até o vidro para ver melhor a situação.
O frentista do posto gritava coisas ininteligíveis, andando enquanto fazia suas tarefas, enquanto um casal que estava dentro de um carro se revezava entre sair do veículo, bater a porta, gritar com o frentista e entrar novamente, batendo a porta mais uma vez, sem considerar que, ao fazer isso, corriam o risco de estragar o próprio carro. movidos pela raiva do momento. Enquanto isso, havia um outro carro parado no posto, mas sem ninguém dentro, pois o dono era um senhor que estava com uma criança e eles estavam mais distantes, do lado de fora, observando a cena, se mantendo seguros e sem tomar nenhuma atitude ou partido na briga, apenas esperando que tudo acabasse para retornarem ao carro.
Em um determinado momento, o frentista saiu andando em direção à parte interna do posto, onde só entram funcionários, e o porteiro do meu prédio diz: “Ele vai pegar uma barra de ferro”. A tensão agora aumentava, enquanto mais pessoas na rua passam a assistir à cena, aguardando o retorno do frentista. Até o momento não sabemos o motivo da discussão. Após alguns segundos, o funcionário retornou, sem nada nas mãos, e a coreografia entre as partes continuou, sem nenhum confronto direto além de ataques sonoros.
Mais alguns momentos passaram e o casal entrou no carro batendo as portas mais uma vez, dando a entender que a dança infinita iniciaria mais um ciclo. Porém, dessa vez, ligaram o carro e foram embora, sem deixar de gritar mais alguns insultos ao frentista. A poeira baixou, o senhor e a criança voltaram para o carro parado, o frentista os atendeu e as pessoas que observavam voltam às suas vidas e ao que estavam fazendo. O porteiro do meu prédio voltou à sua cadeira e ao seu trabalho de sempre. Minha mãe chegou de carro (atrasada, mas permitindo, assim, que eu acompanhasse a briga) e seguimos para um restaurante. A vida voltou ao normal. E o motivo da discussão? Esse segue sendo um mistério.
A Vacina e o Pezinho
Em uma quinta-feira, durante o horário de almoço, decido ir ao posto de saúde ao lado de onde trabalho para aproveitar e tomar a vacina da gripe, já que uma frente fria está chegando e eu não quero passar por dias indisposta, como aconteceu há alguns meses, quando estava viajando de férias. Pego minha senha, número 98, e vou para a salinha de espera, que já se encontra bem cheia, sem assentos disponíveis. Os números são chamados rapidamente, dois de cada vez e sinto que vai ser rápido e logo retornarei ao escritório.
Até que chega um casal com um bebê embrulhadinho, recém-nascido, e escuto ela dizer: “Me falaram que é só chegar e entrar, que, por ser bebê, tem prioridade”. Então, após alguns momentos, é exatamente o que ela faz, e a atendente do posto aparece na porta da salinha e diz: “Pessoal, chegou um recém-nascido aqui e vamos fazer um teste do pezinho. Ele demora um tempo, então vai agarrar um pouco a fila da vacina”. Nesse momento, várias pessoas, que provavelmente também estão ali durante seus horários de almoço, desistem de esperar e vão embora do posto, liberando bastante espaço. Obviamente ninguém gosta de tomar vacina, e basta pouco para que desistam de esperar e deixem pra depois (ou nunca), o que reflete nos baixos números de vacinados este ano.
Como já estou ali, decido esperar, mesmo que isso me custe um pouco de atraso no retorno ao trabalho. Vejo que vagaram vários lugares e rapidamente encontro uma cadeira para continuar minha espera. Mais algumas pessoas chegam. Bem ao meu lado está sentada uma senhora que olha de cima a baixo todos que estão ali aguardando, ávida por uma troca de olhares com alguém para que possa puxar assunto. Eu normalmente percebo de longe essas pessoas e evito o olhar, pois sou péssima de papo de elevador. Mas ela persiste e encontra o olhar de uma moça do outro lado, iniciando reclamações sobre o tempo de espera, sobre como deveria haver uma sala separada para bebês e, por fim, criticam a prefeitura da cidade e os funcionários do posto.
Aguardamos o teste do pezinho. A moça que trocou reclamações com a senhora comenta sobre a dó que sente dos bebês com esse exame e como dá pra saber que ainda não foi feito, já que o bebê não chorou. Acontece um momento de cumplicidade entre as duas, provavelmente mães, que tiveram que passar por isso quando tiveram seus bebês. A chamada dos números parou por volta do 85. A senhora não desiste de mim e pergunta qual a minha senha. Respondo que é a 98. Ela então tira um papel da bolsa e me entrega o número 93. As pessoas que desistiram do exame por conta da espera distribuíram suas senhas para quem continuaria ali. Agradeço e sinto culpa por não ter sido mais aberta à conversa da senhora.
Passam-se mais alguns minutos e o bebê chora. A senhora sorri, pois sente alívio ao saber que o exame já está sendo feito e em breve será chamada para tomar sua vacina. Eu sorrio também, internamente. A moça que conversava com ela se contorce em aflição, por dó do bebê. O exame acaba, o casal sai da sala acalmando o bebê e retornam às chamadas da fila. Rapidamente chamam meu novo número, 93, e eu vou para a salinha.
Enquanto faço meu cadastro, uma moça aparece só com a cabeça na porta da sala e começa a questionar sobre as vacinas e se esta ou aquela estão disponíveis, sem esperar chegar sua vez. A atendente responde e então pergunta qual a senha dela, e ela mostra o papelzinho com 103 escrito. Noto sua impaciência e digo: “Quer ficar com a 98? Uma senhora me deu a 93 e agora estou com essa sobrando”. Num ímpeto, a atendendo do posto diz: “Vocês não podem fazer isso. Você não sabe a confusão que o pessoal já arrumou aqui por falar que estavam furando fila”. Ao que eu respondo rapidamente, como quando estou sem graça e noto que fiz algo que não deveria: “Desculpa, eu não sabia. Pode me devolver, se quiser. É que, quando você falou do teste do pezinho e que demoraria, várias pessoas foram embora e deixaram suas senhas, então ninguém está furando fila, na verdade, só distribuíram os números para quem já estava aqui”. Ao que ela responde: “Tudo bem, mas eu não me responsabilizo por isso. Já deu muita briga aqui por causa dessas coisas”.
Passado o desconforto, ela me pergunta qual vacina eu vim tomar, ao que prontamente respondo: “A da gripe, mas queria ver se tem mais alguma disponível que eu possa tomar”, como se estivesse em uma feira de degustação e quisesse aproveitar tudo que estão oferecendo. Não é à toa que dizem: de graça, até injeção na testa. Ela diz que posso tomar a de difteria e tétano, fato que aceito de bom grado, já que, por mim, tomaria umas cinco vacinas, caso pudesse. Entro em outra salinha e recebo minhas duas vacinas.
Me lembro de quando tomei a primeira vacina de Covid e fotografei, orgulhosa, de máscara, segurando meu comprovante. Ri ao me imaginar fotografando todas as vacinas que tomo. Lembro da minha irmã que desmaia com agulhas, e penso em como as fotos seriam diferentes no caso dela. Saio aliviada da sala e retorno ao trabalho motivada, me sentindo corajosa e superior aos outros que não tomaram a vacina. Passados vários dias e várias pessoas à minha volta gripadas, me sinto invencível por não gripar como elas. Pelo menos até amanhã, quando provavelmente vou tossir três vezes seguidas e achar que perdi meus super poderes.
Imposto e paciência zero
Em um Domingo no fim da manhã, eu A. decidimos passar no supermercado para comprar uma carne para o almoço. Chegamos no estacionamento e já notamos uma lotação maior que o normal, mas, como não costumo ir ao supermercado nesse dia e horário, pensei que era por causa do almoço de domingo e que esse fosse o normal. Paramos o carro e, dentro do supermercado, estava igual no estacionamento: lotado. Fizemos rapidamente as compras (precisávamos de pouca coisa) e fomos procurar o caixa com a menor fila. Mesmo com compras suficientes para passar pelo caixa rápido, essa fila era a maior de todas, então decidimos ficar em uma fila normal. Dividimos as compras e cada um ficou em uma fila.
Escolhi a minha e logo atrás de mim chegou uma moça com seu filho de cerca de 7 anos. Tivemos aquela troca de olhares de cumplicidade, de quem sabe que a situação é chata, mas que vamos enfrentá-la juntas. Começamos então a notar que havia uma fila logo ao lado que parecia menor, e as pessoas não estavam percebendo que ela existia. A moça então pediu ao filho dela que ficasse naquela fila, para ver qual delas andava mais rápido. O menino foi e rapidamente voltou, pegando algo dentro do carrinho da mãe e dizendo: “Mãe, vou ficar segurando alguma coisa pra não parecer que eu tô só guardando lugar na fila, tá?”, ao que eu e a mãe sorrimos uma para a outra, achando graça da inocência do menino e imaginando de onde ele tirou essa consciência.
Após algum tempo, chega o pai da criança, e o menino dá as instruções pra ele: “Pai, fica aqui, mas segura esses pacotes pra não parecer que você tá só guardando lugar na fila, tá?”, juntando o sorriso da mãe e meu agora com o do pai, achando graça da situação com a gente. Passa-se mais tempo e as filas não parecem andar, porque, além de grandes, cada pessoa está com um carrinho lotado de compras. Eu e a mãe trocamos mais um olhar e ela questiona se deveria migrar para a fila que o menino está. Eu digo que ela deveria ir sim, pois parece que lá vai andar mais rápido, mesmo que o homem da frente esteja com o carrinho lotado, pois na nossa fila ainda haviam três pessoas antes de mim. Então ela migra de fila. Falo para o A. ir para aquela fila também, pois a dele não estava andando. Ele vai.
Passa-se mais tempo (já estamos lá há cerca de 30 minutos) e chega minha vez. A atendente do caixa vê que eu estou com outra pessoa e fala para eu chamá-lo pra passar as compras junto, que ela faria isso se estivesse no meu lugar. Eu sou muito apegada às regras e odeio usar do jeitinho brasileiro pra conseguir as coisas, então digo que não precisa e que não quero incomodar as pessoas que estão atrás de mim, como se eu estivesse furando fila (aposto que o filho da minha amiga de fila concordaria comigo). Nesse momento, descubro que o supermercado está lotado porque está na época do Dia Livre de Impostos e me arrependo profundamente de ter decidido fazer compras nesse dia, já que também não vi nada muito fora do preço comumente cobrado. Parecia Black Friday no Brasil: tudo pela metade do dobro.
Então, rapidamente passo minhas poucas compras e dou vez ao próximo, mas preciso aguardar o A., que continua na outra fila, agora em parceria com minha ex-amiga de fila. Eis que o homem que estava com o carrinho lotado na frente deles não estava com nenhum tipo de pressa, nem parecia notar que o supermercado estava completamente entupido de gente, e havia várias pessoas na fila atrás dele. Então ele, meticulosamente, colocou cada compra na esteira do caixa, organizando cada produto como um quebra cabeça, parando de tempos em tempos para verificar se a planta que adquiriu estava em boas condições, para então iniciar lentamente outro quebra cabeça em cada uma das suas sacolas, e depois outro para organizar as sacolas dentro do carrinho. Sem pressa, no tempo dele, em uma compra que resultou em 1600 reais (curiosa que sou, até coloquei os óculos para enxergar o total).
Espero mais uns 10 minutos para que esse senhor finalize suas compras e então, minha ex-amiga de fila e sua família passam suas compras rapidamente, mesmo com um carrinho cheio (provando que é possível), e, enfim, A. consegue passar suas cestinha com míseros 6 itens e conseguimos ir embora daquele supermercado em cenário apocalíptico. O que eu adquiri com essa experiência foi o aprendizado de nunca mais fazer compras em dia de imposto zero. Imagino que, até hoje, aquele homem esteja organizando meticulosamente suas compras em casa e verificando se a planta está bem. Eu, por via das dúvidas, seguirei pagando meus impostos. Sai mais barato.
Tenho gostado de observar os acontecimentos à minha volta com um olhar mais atento aos detalhes, para poder contá-los aqui com a minha visão do mundo. Espero que tenha gostado também!
Aproveito para divulgar que fiz um vídeo para o YouTube falando sobre as minhas leituras de Maio, com o conteúdo que você lê aqui, mas elaborando mais em cada uma das minhas experiências de leitura. É um vídeo mais longo e assim como os textos, uma oportunidade de explorar formas diferentes de conteúdo. Fiz com muito carinho!
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